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Cineasta piracicabano conta história de Grande Otelo

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 18ª Edição | Fevereiro | 2015
Foto: Alessandro Maschio

Por Ronaldo Victoria

Fotos: Alessandro Maschio
 
Trajetória de um dos maiores atores do cinema brasileiro será narrada em documentário sob a direção de Lucas Rossi, de 21 anos
 
Um gigante da arte brasileira. Este é o retrato de Grande Otelo que será mostrado no documentário Otelo, o Grande. A direção cabe ao jovem cineasta piracicabano Lucas Rossi, 21, radicado há seis anos no Rio de Janeiro. O trabalho, que está com o roteiro fechado e logo começa a fase de entrevistas, contempla dois objetivos: primeiro destacar o centenário de nascimento do ator e, depois, trazer a lembrança do nome dele para as novas gerações. ´´Um dos últimos trabalhos dele na televisão foi na Escolinha do Professor Raimundo, mas com um personagem de pouca expressão. Como ele morreu há mais de 20 anos, em 1993, há toda uma geração que não o conhece. Eu mesmo tenho uma sobrinha de 11 anos que nunca ouviu falar em Grande Otelo´´, conta Lucas.
 
E Otelo – nascido Sebastião Bernardes de Souza Prata, em Uberlândia (MG) - foi grande na carreira. Esteve em nada menos que 117 fi lmes, desde a fase das chanchadas até a época do Cinema Novo, de onde veio seu maior sucesso, o clássico Macunaíma.
 
´´Ele era de uma enorme versatilidade e atuou tanto em comédias de vaudeville quanto com grandes nomes do cinema mundial como Orson Welles, que o dirigiu em É Tudo Verdade e o chamava de gênio, e o alemão Werner Herzog, com quem fez Fitzcarraldo´´, lembra.
 
A época mais popular dele, no entanto, foi quando formou uma dupla famosa com Oscarito. Foram anos de parceria, com cenas memoráveis, como aquela em que a dupla encarnava Romeu e Julieta em Carnaval no Fogo (1949). Oscarito era Romeu e Otelo a Julieta. Mas havia um componente não assumido na carreira de Otelo: o racismo brasileiro, ao mesmo tempo forte e velado na mesma dimensão. ´´Ele sempre fazia ‘escada’, ou seja, ajudava o Oscarito, na pele do branco esperto, a brilhar. O racismo doía, sim, na pele dele, mas ele nunca foi de briga´´, destaca.
 
Essas e outras características da face não-revelada do ator ganham espaço no documentário, que deve ganhar lançamento em novembro. “A vida pessoal dele, as várias tragédias pelas quais passou, os quatro casamentos mal-sucedidos e os problemas com o alcoolismo também fazem parte do roteiro. Se eu tirasse, estaria descaracterizando o Otelo”, diz o cineasta.
 
Não foram poucas as tragédias. O pai morreu esfaqueado e a mãe, alcoólatra, era cozinheira e trabalhava sempre com um copo de cachaça ao lado do fogão. Depois de fugir de Uberlândia com uma companhia de teatro mambembe para São Paulo, ele se casou com uma moça que já tinha um fi lho pequeno. Mas, provavelmente em crise de ciúme, ela envenenou a criança e depois cometeu suicidou. ´´Esse foi o maior golpe na vida dele, mas contam que logo em seguida ele estava no palco, porque o show tem de continuar.´´
 
O ator teve várias difi culdades por conta do alcoolismo. ´´Ele não era de beber pouco e nem bebida fraca. Gostava mesmo de cachaça. E não importava se o trabalho terminasse às quatro da manhã, ele sempre estava procurando um bar´´, lembra o cineasta. Porém, ele destaca que pretende abordar tudo isso de forma leve, sem lançar mão do sensacionalismo. É uma vida bastante intensa, que terminou em 26 de novembro de 1993, quando Otelo morreu de infarto num avião, quando estava indo para a França, receber uma homenagem no Festival de Nantes.
 
Para os depoimentos, Lucas já agendou entrevistas com Jô Soares, Artur Poerner, Luís Carlos Maciel e Marieta Severo.
 
JOVEM E EXPERIENTE
Mesmo com a pouca idade, Lucas Rossi tem um currículo expressivo. Ele começou, em 2010, como assistente de produção de O Livro dos Salmos, com Cid Moreira. Atuou na produção da peça Escola de Mulheres e do curta-metragem Mães da Lapa. Fez parte da equipe da série Mais x Favela, uma produção de Luiz Carlos Barreto em parceria com o grupo Nós do Morro. Foi também assistente de direção do documentário Como Você me Vê?, com depoimentos de vários atores, como Cissa Guimarães, Rodrigo Pandolfo, Nanda Costa e Babu Santana (o Tim Maia do fi lme). E atuou na produção do DVD que comemorou os 60 anos da peça Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, estrelada por Cláudia Abreu.
 
A história de Grande Otelo cruza-se de forma expressiva com a de Piracicaba, no começo dos anos 80, quando o ator deu nome à sala de cinema de arte que funcionou no Teatro Municipal Dr. Losso Netto. A inauguração aconteceu em 1981, quando o coordenador de Ação Cultural era David Chagas e o prefeito era João Herrmann Netto.
 
A visita de Otelo está marcante na memória de Maria Araújo, que na época era programadora cultural da cidade. ´´Eu fui recebê-lo no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e estranhei a grande quantidade de jornalistas e fotógrafos. Só depois percebi que o motivo era o Otelo, pois ele havia fugido de um hospital do Rio de Janeiro para não perder a homenagem´´, conta.
 
Logo o ator foi cercado pelos jornalistas. ´´Ele disse que não podia deixar de comparecer a um acontecimento tão importante em Piracicaba, e que estava acompanhado por uma representante da cidade, ‘Maria da Luz’. Ele entendeu o meu nome errado´´, lembra Maria Araujo.
 
Na saída do aeroporto, ela disse que o almoço seria por conta da prefeitura e perguntou qual restaurante ele preferia. ´´Achei que ele ia escolher algo chique na época como o Rodeio, mas ele falou que adorava um restaurante simpático chamado Um Dois Feijão com Arroz. Para você ver como ele era simples.´´
 
Assim que chegou a Piracicaba, o ator já estava sendo esperado por jornalistas, incluindo uma equipe da TV Campinas, como ainda era conhecida a EPTV, e a repórter que o entrevistou foi Ilze Scamparini, hoje correspondente da Globo na Itália. A noite na cidade, depois da solenidade, que teve a projeção de Macunaíma, foi no mesmo estilo. O prefeito Herrmann o levou para o Bar da Flora, reduto boêmio na Rua do Porto. ´´Foi uma noite agradável e me lembro que ele não quis tomar nada alcoólico. Disse que já havia sofrido muito e que o alcoolismo
só tirava as coisas das pessoas´´, recorda Maria. 
 
Memória
A vida de Grande Otelo, em seus 78 anos, teve dramas e alegrias para vários filmes. Depois de fugir de Uberlândia, Otelo foi adotado pela família do político Antonio de Queiroz, de São Paulo, onde estudou no Liceu Coração de Jesus. Ainda nos anos 20, começou a participar da Companhia Negra de Revista, cujo maestro era Pixinguinha. Em 1932, entrou para a companhia de teatro de revista de Jardel Jércolis, onde ganhou o apelido que o tornou famoso. Nos anos 50, teve uma fase de grande sucesso no cinema, em parceria primeiro com
Oscarito e depois com Ankito. Depois, seguiu-se uma época de crise nos anos 60, da qual só se reergueu ao aparecer no filme Macunaíma, em 1969. A partir dos anos 70, foi contratado
pela Rede Globo, onde apareceu em várias novelas, como Uma Rosa com Amor, Feijão Maravilha e Sinhá Moça. Sua última aparição aconteceu em Renascer, em 1993, pouco antes de morrer. Teve cinco filhos, incluindo o ator José Prata.
 
 
 
 
 
 
Otelo em Piracicaba
A história de Grande Otelo cruza-se de forma expressiva com a de Piracicaba, no começo dos anos 80, quando o ator deu nome à sala de cinema de arte que funcionou no Teatro Municipal Dr. Losso Netto. A inauguração aconteceu em 1981, quando o coordenador de Ação Cultural era David Chagas e o prefeito era João Herrmann Netto.
 
A visita de Otelo está marcante na memória de Maria Araújo, que na época era programadora cultural da cidade. ´´Eu fui recebê-lo no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e estranhei a grande quantidade de jornalistas e fotógrafos. Só depois percebi que o motivo era o Otelo, pois ele havia fugido de um hospital do Rio de Janeiro para não perder a homenagem´´, conta. Logo o ator foi cercado pelos jornalistas. ´´Ele disse que não podia deixar de comparecer a um acontecimento tão importante em Piracicaba, e que estava acompanhado por uma representante da cidade, ‘Maria da Luz’. Ele entendeu o meu nome errado´´, lembra Maria Araujo.
 
Na saída do aeroporto, ela disse que o almoço seria por conta da prefeitura e perguntou qual restaurante ele preferia. ´´Achei que ele ia escolher algo chique na época como o Rodeio, mas ele falou que adorava um restaurante simpático chamado Um Dois Feijão com Arroz. Para você ver como ele era simples.´´
 
Assim que chegou a Piracicaba, o ator já estava sendo esperado por jornalistas, incluindo uma equipe da TV Campinas, como ainda era conhecida a EPTV, e a repórter que o entrevistou foi Ilze Scamparini, hoje correspondente da Globo na Itália. A noite na cidade, depois da solenidade, que teve a projeção de Macunaíma, foi no mesmo estilo. O prefeito Herrmann o levou para o Bar da Flora, reduto boêmio na Rua do Porto. ´´Foi uma noite agradável e me lembro que ele não quis tomar nada alcoólico. Disse que já havia sofrido muito e que o alcoolismo só tirava as coisas das pessoas´´, recorda Maria.
 
Vida agitada
A vida de Grande Otelo, em seus 78 anos, teve dramas e alegrias para vários filmes. Depois de fugir de Uberlândia, Otelo foi adotado pela família do político Antonio de Queiroz, de São Paulo, onde estudou no Liceu Coração de Jesus. Ainda nos anos 20, começou a participar da Companhia Negra de Revista, cujo maestro era Pixinguinha. Em 1932, entrou para a companhia de teatro de revista de Jardel Jércolis, onde ganhou o apelido que o tornou famoso. Nos anos 50, teve uma fase de grande sucesso no cinema, em parceria primeiro com
Oscarito e depois com Ankito. Depois, seguiu-se uma época de crise nos anos 60, da qual só se reergueu ao aparecer no filme Macunaíma, em 1969. A partir dos anos 70, foi contratado
pela Rede Globo, onde apareceu em várias novelas, como Uma Rosa com Amor, Feijão Maravilha e Sinhá Moça. Sua última aparição aconteceu em Renascer, em 1993, pouco antes de morrer. Teve cinco filhos, incluindo o ator José Prata.
 
 

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