Fazemos acontecer

Talento top, beleza plus

Publicado na Revista Tutti Vida & Estilo | 24ª Edição | Fevereiro | 2016
Foto: Estúdio X+X | Roberta Dabdab + Mabel Feres

 Por Cristiane Bonin

No universo fashion, Fluvia Lacerda é considerada a ‘Gisele Bündchen’ das modelos plus size. Ela é a única brasileira entre as 5 top models do segmento e já fotografou para editoriais de revistas internacionais de prestígio como a Vogue italiana, e Joyce Pascovitch, no Brasil. Nascida no Rio de Janeiro e criada em Roraima, ela se mudou para Nova York em 1996. Trabalhando como babá e faxineira, um dia Fluvia perdeu o ônibus para casa e embarcou no seguinte. No veículo abarrotado, ela foi encontrada por aquela que seria sua mentora no mundo da moda, onde, algum tempo depois, faria uma carreira meteórica e bem-sucedida. 
 
Nesta entrevista exclusiva para a Revista Tutti, Fluvia conta sua história, fala sobre beleza, preconceito e seus planos para o futuro.
 
Revista Tutti - Sem falar inglês, você foi para Nova York antes de completar 16 anos. O que te motivou a ficar? Você recomendaria a um amigo ou filho fazer o mesmo?
Fluvia Lacerda - Vim por pura necessidade. Tinha uma tia que já vivia aqui e vim com o intuito, diante dos olhos da minha família, de apenas estudar. Mas, no fundo, eu sabia que não voltaria para casa. Minha família passava muitas dificuldades financeiras no Brasil e eu queria mudar isso, portanto fiquei. Não via outra saída para mim mesma. Fui criada por uma mãe muito aventureira e muito encorajadora de todos os nossos sonhos. Minha mãe nunca perdeu muito tempo alimentando ideias vazias, mas sim, sempre nos incentivando a buscar conhecimento, a fazer a coisa certa por nós mesmos e pelos outros, a desbravar o mundo. Nova York definitivamente não é para os fracos (risos)! É uma cidade incrível para passear, mas nem tanto para viver. Não recomendo a ideia de viver aqui para ninguém, justamente por saber o quanto a adaptação é complicada para a grande maioria. 
 
Para quem nunca modelou e, como já disse em outras entrevistas, nunca foi muito ‘fã’ de moda, como você embarcou nessa nova carreira e de que forma aprendeu sobre a profissão?
Nunca tive grandes ideais em relação a essa oportunidade inusitada. Levei sempre como um ‘bico’, não criei expectativa alguma! Tudo se desenvolveu muito naturalmente. Experiência vem com o tempo e eu sou uma pessoa muito observadora. Pouco a pouco, entendi os princípios da profissão, a importância de ser superprofissional e saber o que não deixar criar importância.
 
Você foi adolescente para os EUA, fez faxina, foi babá por aproximadamente cinco anos; descobriu seu talento ao ser encontrada por uma produtora de moda de uma revista e receber dela indicações de agências de modelo. Hoje, figurando na lista das cinco principais modelos internacionais plus size, ainda há algum sonho para realizar?
Sim, muitos!!!! Tenho grandes ambições para o mercado plus size brasileiro, adoro fazer parcerias e incentivar marcas pequenas, compartilhar meu conhecimento adquirido nesses quase 15 anos de carreira. Quero conseguir colaborar em várias fronteiras para o crescimento e a democratização da moda no meu país, e em outros também. Gostaria de abrir um orfanato um dia… Tenho muitos sonhos que me ocuparão até o fim dessa encarnação (risos)!
 
Você sempre diz que nunca fez nenhum tipo de dieta, mas se preocupa com uma boa alimentação e com a saúde?
Tento consumir o mínimo de comidas processadas possível! Gosto de cozinhar para minha família, adoro ir a feiras para comprar legumes, frutas, tudo fresco! Procuro aprender sobre comida, seu cultivo, a importância de mantermos hábitos que hoje julgamos ‘chatos’, como cozinhar do zero mesmo, sem empacotados e enlatados. Acredito que o preço a ser pago por essa tal praticidade será altíssimo para as futuras gerações, no entanto, são poucas as pessoas ligadas nisso e muito maior é o número de pessoas fissuradas em contar calorias, se entupindo de comidas processadas, light e diet! Curto culinária em outro nível. Busco fazer viagens em que possa aprender sobre a gastronomia de outros povos. Acho que é uma troca extraordinária de elementos muito positivos, de alegria, de tradições carregadas de boas energias, e vejo isso como ingredientes de uma boa alimentação também! Passei a ver o processo de alimentação como um privilégio que muitos não têm e, os que possuem, banalizaram demais, consumindo coisas que custam sua saúde em nome da praticidade e conveniência. Não abro mão de jantares na minha casa ou na casa de amigos. Elegemos esses eventos como rituais de troca de conhecimentos. Nada de diet, light, adoçantes artificiais, nada geneticamente modificado, mas tudo o mais puro possível, comprados de fazendas e produtores próximos, para criar pratos que geram felicidade sem a culpa que realmente deve ser a única a ser considerada: a de consumir químicos desnecessários.
 
O que tem no seu closet e o que não tem?
Meu closet tem de tudo. Não sigo regras, nunca segui, basicamente para quase nada na minha vida! Ando numa fase de básicos, mas não dispenso minhas amadas transparências e estampas à la Frida Kahlo.
 
O mercado plus size está ganhando espaço no mundo e no Brasil, seja na oferta de confecções ou nos editoriais de moda - como o editorial com você para a respeitável Vogue italiana. Isso, para você, é um sinal de que o padrão de beleza pode ser quebrado ou é um nicho de mercado lucrativo?
Sim, com certeza!! Digo sempre que estamos vivendo uma revolução feminina mundo afora, e essa revolução se deve muito à internet. A mulher se cansou de esperar e passou a reivindicar seu direito de inclusão. O poder de consumo da mulher, hoje, dita muito mais quem se torna ídolo ou símbolo de beleza do que qualquer outro formato usado como parâmetro antigamente. O sucesso de carreiras como a minha apenas provam isso. 
 
Quais são os efeitos para a mulher comum diante da ditadura da moda feminina – falando sobre número de manequim, moda e envelhecimento? 
Não existe mais a voz que seja ignorada, num contexto geral. Com o poder das redes sociais, blogs, YouTube, hoje, acredito que existe uma potência magnífica no questionamento sobre essas ditaduras. Acredito, aliás, que muito disso está se rompendo no sentido de que a mulher no seu dia a dia não aceita mais ser aprisionada por tais conceitos. Sempre questionei de onde vêm esses tais ideais ou padrões, considerando que somos um povo altamente mestiço, com genéticas tão mescladas e diversas. Sem dúvida alguma é altamente questionável quem são esses ditadores de parâmetro de beleza e o quanto subestimam nossa capacidade de raciocínio. Não acredito que sou a única a pensar assim. Acredito, sim, que milhões de mulheres acordaram para a realidade quanto à beleza e ao valor da diversidade e individualidade de cada um.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Onde você encontrou com o preconceito no seu trabalho? Como driblou a situação?
Na maioria das vezes, encontrei preconceito no Brasil. Revistas que querem me fotografar, me escondendo debaixo de roupas que me emagreçam ao máximo, ou as que dizem: “Gorda na minha revista de jeito nenhum! Não é o meu público”. Mas não levo para o lado pessoal. O preconceito, em geral, é um fator muito vivido na nossa cultura, o ‘elefante branco’ que todos buscam fingir que não existe, e tentam disfarçar ao máximo. Homofobia, preconceito racial ou de classe social, gordofobia, são todos parte da mentalidade de muitos, mas que, felizmente, hoje já existem os que se cansaram de aceitar de forma passiva.
 
A beleza feminina quase que invariavelmente está vinculada à exposição do corpo, seja nas ruas, peças publicitárias ou editoriais. O que é beleza para você?
Beleza para mim é um fator natural que existe em todas as pessoas, porém, são poucas as que tiveram a oportunidade de aprender por meio da sua criação, dentro da própria casa. Perpetuamos o ciclo paupérrimo de criar meninas que detestam a sua aparência, celebramos a vaidade de forma distorcida e tiramos o valor e outros méritos de meninas por não se encaixarem na legião que segue sempre sem questionar o que de fato é importante. Sinto-me linda, pois entendo o valor da minha coragem por buscar tudo aquilo que sonhei em ter, por ter a capacidade de questionar a opinião alheia, por conseguir entender que muitas frustrações são implantadas em nós constantemente, pois, quanto mais inseguras somos, mais dinheiro geramos a grandes indústrias. Sinto-me linda porque meu corpo funciona, gerei dois filhos perfeitos, porque meu corpo me leva de A para B e – bate na madeira! – quase nunca sequer pego uma gripe! Beleza para mim é conseguir enxergar valores como esses, entender a preciosidade que é o meu corpo e tudo que ele me possibilitou. A partir desse ponto, como é possível se olhar no espelho e não enxergar beleza na sua forma mais potente?
  
Quais são seus projetos paralelos à carreira de modelo internacional?
Embarquei no lado empresarial desde o ano passado, com o lançamento da minha coleção de moda praia, que já entra na sua segunda fase, e a minha coleção de lingerie. Espero poder levar ambas as coleções ainda este ano para a Europa, onde já temos distribuidores muito interessados em revendê-las. Estou também trabalhando em projetos aqui em Nova York, como embaixadora de coleções a serem lançadas ainda este ano, e farei palestras em Portugal e na África do Sul sobre autoestima e autoaceitação. 
 
O que é o Brasil para você?
O Brasil é minha terra, com suas contradições ou não, é meu berço e grande parte de quem eu sou. Sinto muito a falta da minha terra, Roraima. Da liberdade de ir pescar com meus amigos de infância, andar descalça em terras limpas, sentir a alegria do nosso povo. Quando temos a possibilidade de viajar mundo afora, passamos a entender que problemas não são exclusivos do nosso país e que há sempre espaço para melhorias em todos os lugares. Problemas todos temos, mas cultivo, além do desejo de dias melhores, a memória positiva de tudo aquilo que colaborou e constituiu quem me tornei.

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